Artigo: Tô cansado

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Por: Sérgio Sant’Anna*

No show de abertura da turnê de comemoração aos 40 anos da banda Titãs, o músico Branco Melo inicia o espetáculo interpretando a canção, “Tô Cansado”, cujo autor é o poeta, compositor e um dos vocalistas da Banda, Arnaldo Antunes. Esta música faz parte do álbum “Cabeça Dinossauro”, classificado pela crítica especializada como “mais primitivo, mais visceral”. Uma soma de letras e músicas marcadas pela apresentação do rock brasileiro de maneira mais dura e essencial.

Esse primeiro parágrafo descreve um momento ímpar, um divisor de águas quando tratamos do rock brasileiro. Demonstra um momento em que o Brasil estava problemático (e quando não esteve…), principalmente após o falecimento de Tancredo Neves. Um discurso de protesto que flerta com o punk. E essa música foi escolhida para abrir o show titânico, pois a despedida será inevitável, a banda cumpriu seu propósito e retornaram apenas para os 40 anos a serem comemorados.

Vivemos um cenário assustador durante os últimos quatro anos, a classe assalariada sofreu muito, principalmente, nós, professores. A perseguição física e psicológica foi assustadora. É difícil viver assim, trabalhar dessa forma, pressionado pela ignorância humana. Durante 25 anos de docência passei por três Estados: São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e sempre tive o “Titãs” como minha banda número um. A canção “Tô cansado” reflete muito bem a minha situação e a de inúmeros colegas que se ausentaram da sala de aula devido a problemas psicológicos. Remédios e tratamentos ainda não fizeram parte da minha estrada. A persistência é que me faz valente, a vontade em dividir conhecimento, provocar a reflexão e estimular à produção de verdadeiros seres humanos.

Não faço comparações entre gerações, pois essa geração possui uma legião de alunos desinteressados, “É difícil ensinar, quando o outro não quer aprender”, afirmou Paulo Freire. Discentes que perderam a capacidade crítica, o senso de reflexão, a paciência para análise… e não falo de alunos laudados, escrevo sobre um aglomerado de zumbis tragados pelas redes sociais, destruídos pela tecnologia e conectados com a ausência de humanidade.

A Escola é o porto-seguro das famílias desestruturadas, pais fanáticos extremistas, filhos de cidadãos acometidos pela terceirização de seus pupilos. Desde 1998 insisto em dizer que a escola não está preparada para exercer a função de Assistência Social e Clínicas de Psicologia, a demanda é gigantesca. Não há Hércules, apenas nas epopeias. Professor tem amor, tem compreensão, tem paciência (eu sou o campeão), entretanto, valorizá-lo é vital. Sim, financeiramente. Pagar o que é justo. Quando vejo cidades como a minha Terra Natal, lugar que exerci a função docente por mais de uma década, desvalorizando seus professores, seja não pagando o piso (o que é direito do professor, através de reajuste incentivado pelo presidente da República, anteriormente apoiado pelo atual gestor municipal, ou por radialista cujo discurso talvez se empregasse ao próprio durante sua passagem pelo serviço público municipal. É triste, lamentável, repugnante. E os adjetivos poderiam alongar-se. São essas atitudes que tornam o cansaço e o estresse presentes na vida docente, essa ausência de altruísmo.

De acordo com a nova lei para a aposentadoria serão mais alguns anos em sala de aula, mais de uma década. Todavia, estarei firme e forte. Não somos “braços curtos”, apenas execramos a injustiça.

* Sérgio Sant’Anna é Professor de Língua Portuguesa do Anglo e COC Professor de Redação da Rede Adventista e Jornalista.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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